sábado, 24 de agosto de 2013

Eu sou fã dos loucos! Fã da capacidade necessária de pisotear a razão com os dois pés, e não sentir um pingo de culpa por isso, aliás a culpa que nos pesa como toneladas de merda sobre nossas costas curvadas diante do mundo, não tem lugar na inconsciência de quem tem em si sua matéria de sofrimento e de júbilo. Sou fã de quem constrói um mundo paralelo e vive nele, sem o saco de torturas com que todos nascemos e vamos enchendo ao longo do caminho: culpas, obsessões, necessidades impossíveis de serem sanadas porque sempre são maiores do que a falta que as gerou, dores no corpo que são puro reflexo dessas almas podres que portamos e escodemos com perfumes, sorrisos e maquiagens...Mas tenho um problema real, os depressivos, a quem medicam, escutam e tentam trazer à vida, esses tem consciência dessa sua pseudo-loucura fundada na inadequação. Os depressivos conseguem visualizar a razão mas a visão é nebulosa e via de regra lhes mostra quão inalcançável ela pode ser quando ele ainda chafurda no pântano das tentativas de encontrar a medicação adequada, enquanto ele ainda chora, treme e em meio ao pânico da recuperação tenta permanecer à revelia de si...Os depressivos ao contrário dos loucos que são sistematicamente afastados dos sujeitos ‘normais’ são incitados a vir à tona de si, se reelaborar, ter vida social, mas sem os recursos que os normais utilizam para suportar o absurdo em que se constitui a vida social, sem álcool, e com a lucidez embotada pela dor, nem os mais teoricamente sãos suportam o existir...armados até os dentes de pílulas para existir, andamos, falamos, executamos tarefas que nos são designadas...mas essas pílulas coloridas que nos são passadas ainda não conseguiram o grande feito, o de ensinar a existir para além desse buraco no peito, cheio dessa matéria de inexistir, supurando e nos afogando no mais podre de nós...Anne Damásio

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Duplo movimento...

À margem de mim eu me observo, nunca concluo, já trago nas costas sacos pardos com escolhas erradas, derramei algumas pelo caminho para torna-lo mais leve. Decorrente dessas escolhas arco com aquelas que são parte concreta do que foi escolhido, me imiscuo de lidar com o lado torpe da vida, bem Rubem Alves, queria tanto que o poder fosse retirado das garras retorcidas desses sujeitos doentes, e oferecessem-no à ternura, à delicadeza, ao que acalente à alma. Não faço parte, não sei caber em receitas prontas de como ser, não sei empilhar as dores uma após outra, armazeno tudo em uma bagunça toda minha, junto com os viveres da próxima dor. Não me deixarei engolir pela burocracia revestida de facilidade. Não falarei senão com quem quer me ouvir. Não alardearei minhas angústias a quem pode se pendurar nelas e me levar junto. Tenho consciência de que não cabendo em mim, sairão dos meus olhos e da minha boca essa sobra, isso que escorre lavando a tudo que vê pela frente, que quer afagar as gentes, e nunca pisar nas pessoas, a vida já faz isso com uma maestria inigualável. Me fogem junto com isso que escapa pelos olhos, os sonhos, que deixei adormecidos no canto esquerdo da minha alma, e de tantos anos hibernando morreram de inanição, tento trazê-los de volta a vida, talvez assim consiga a paz que procuro sem encontrar, me ocorre que procurei nos lugares errados até então, que a urgência que me acompanha me atropelou.  A vida assombra meus dias enchendo-os de morte, as caras dissimuladas nos corredores, a mania de espreitar pelo canto do olho. Quero estar em mim entre aqueles que sei que estão dispostos a uma abertura de espírito para me receber. Fujo sistematicamente da vileza que bateu outro dia na porta da sala, tenho uma urgência de paz que não combina com a necessidade dela. Preciso tornar claro que não me enquadro em formulas de bem viver, identidades prontamente forjadas, comercial de margarina. Se ser livre é não se render, não lançar mão de conceitos apaziguadores e se colocar em posição de abertura a mudanças que ensejem paz. Então eu sou/estou livre. Anne Damásio


sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Mãe, Elena, Petra: impressões sobre Elena - O filme.

Quando ela fica assim com o olhar perdido ela quase sempre vê Elena. Mas não é de Elena e sua presença tão palpável a ponto de apagar as vozes que a narram que eu quero falar...Eu quero falar de você Petra, dessa abnegação suprema por Elena, quero falar de como tudo em você é a presença/ausência de Elena. A sua pergunta ecoa na minha cabeça sempre prestes a estourar, não de dor, mas dessa espécie de taquicardia psíquica que me acompanha pela vida a fora. E como toda pergunta definitiva, nos deixa atônitos: Qual o meu papel? Qual o meu papel nesse filme? E a essa eu acrescento, quem é você? Quem é você Petra?
Então, nessa confusão de vozes que narram, de fios entalados no peito, você sente a presença de Elena, agora sua irmã não é apenas aquela que se foi, deixando as marcas da necessidade de viver de/para a arte em você. Ela não é só a que você tem que esquecer, ela é aquela que te faz lembrar tudo que você não pode ser. Elena está em você, e você 'afoga-se nela’...e oferece outra vida a ela, para mata-la em seguida...interpreta Elena para se entender, como eu que escrevo sobre a morte para suportar viver.

Petra, a anti-Elena, a que nunca deveria ser atriz, nunca deveria pisar em Nova York.  E Elena dentro dela, enroscada nas recordações, que Petra guardava no canto esquerdo da sua cabeça, e que vez em quando se derrama pela cabeça inteira, ameaçando devorar alguém que ela nem era ainda...para ser alguém ela deveria encontrar Elena, refazer caminhos. Mas tenho medo, me ocorre que ela se entregue meio que subversivamente a tudo que não deve ser, e vá embora com Elena. Fica Petra, vai!
Anne Damásio


quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Jamantas, Caio F, vontade de partir, necessidade de ficar...



“Justo quando ela resolve voltar a viver vem a vida e passa por cima dela. Tá bom, não foi exatamente a vida, foi a jamanta. É, aquela do disk jamanta de Caio F. Ele dizia que quando a barra tá pesada demais, sempre podemos contar com uma jamanta. Mas viver no Brasil é complicado até na ficção. Deixa ela explicar, o telefonema para o serviço de morte express, sem danos a máquina do mundo ou sujeiras desnecessárias foi realizado no dia que ela percebeu que não conseguia parar de sentir, e esse excesso de sentimentos que lhe impediam de caber provocava tremores incontroláveis, e uma vontade fininha de ir embora sem deixar vestígios. Mas sabe como é serviço público né? Atrasou dois dias, e só conseguiu levá-la quando ela não queria mais ir.” Anne Damásio


segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Sem ar...

Avisaram que a espátula deveria ser depositada suavemente entre os seios, cortando dentro com a base da ponta, porém era obrigatório manter  intacto o lado de fora. Mas então houve o erro no manuseio, atingindo o órgão do lado, e o coração que era pra perecer, permanecia intacto, insistente, derramado. Dizem que toda semana ele arranjava uma nova utopia – materializada nas mais diversas formas, pessoas, coisas, gordura corporal, dor no juízo e raiva do mundo - -, a constatação da utopia renascida era aquela falta de ar, que ela esquecia que na verdade não passava de manuseio errado. Então cuidadosamente enfiou a espátula novamente, e dessa feita matou o coração, um monte de gente escorreu pela pele depositando-se ao chão, esses que caíram dela foram pisados. Anne Damásio


sábado, 3 de agosto de 2013

Sem pele...



Tenho esse hábito estranho de morrer um pouquinho todos os dias, a parte isso sobrevivo para além do que se foi, o estranho nesse ritual simbolicamente experienciado é as centenas de pedaços que ficam pelo chão, normalmente pele, mãos, olhos, pedaços do cérebro... Não sei quando esse fato deixará o reino do simbólico transformando-se em toda a sua literalidade, mas pensar nisso me provoca um certo medo, que preferia não ter, tenho aprendido que se não posso ficar por mim, por causa dessa mania de caminhar sem pele por aí, tenho que ficar pelos meus e os que me elegeram parte e parcela das suas vidas. Uma outra sensação estranha porém meio purgativa, é que nessa de sair por aí sem pele,  sinto-me constantemente desmanchar, e ainda não identifiquei esse líquido a meio caminho entre amarelo e vermelho, penso  ser sangue e algum tipo de gosma interna que escorre ao longo do meu corpo em profusão, não compreendo como os sujeitos que andam comigo não veem isso que escorre, não ouvem os barulhos que a minha cabeça faz, não sentem o maldito odor que exala através da minha pele desse bicho que se esconde na minha perna direita e a noite sobe para a cabeça para seu banquete canibalesco...Mais partes perdidas do que eu não sei quem sou! Anne Damásio 






Da gratidão...

Acho que preciso de novas asas, com revestimento garantido contra colisões e derrapagens, da escalada do fundo do poço ainda estou na metade, nesse tempo de falência emocional e existencial, descobri que aqueles que se auto proclamavam meus amigos, que contaram comigo em momentos que certamente outros mortais não estariam por perto...ah, meus senhores, esses desapareceram de fininho, de repente esqueceram para que serve o telefone, e nesse caso não me refiro as ligações para me solicitar na vida deles. Visitas a minha casa foram sutilmente evitada sob pena de me incomodar, mal sabem eles que tudo que precisamos em momentos de vontade de (des)existir, é um olhar de verdade de ‘eu não sinto como você, mas imagino que é demais sentir assim’, nesses instantes de dor a presença é como bálsamo...Mas não são só lamúrias, essa dor estranha produzida por esse bicho que hiberna aqui dentro, e que me recuso a dizer o nome, me mostrou também quem eram as pessoas de verdade, as que me aturavam quando nem eu me suportava, e por elas vou ficando, e por elas vou levando...mesmo no último baque, quando senti muito perto o abismo, elas estavam lá me puxando pela mão e me trazendo de volta a razão, a vocês eu amo, e das poucas virtudes que eu tenho uma delas é a gratidão, eu definitivamente tendo a esquecer as sacanagens que me fazem, dói menos seguir assim, mas NUNCA esqueço o bem que me fizeram. Anne Damásio


quinta-feira, 1 de agosto de 2013

só mais um pouquinho companheira...



Quem é essa que me habita? Que boicota minhas tentativas quase sempre inábeis de sobreviver no mundo real, que protela o necessário até o fim de todos os prazos, que me define como vencida e sem saída antes mesmo de eu esgotar todas as possibilidades? Essa que há em mim mas que não sou eu, quer me ver entregue ao mais sem jeito da vida, aquele abismo que antecede todas as mortes, mesmo as involuntárias. A parte ela, ergo-me lenta e pesadamente, arrisco alguns passos em volta de mim, sento, respiro...só mais um pouquinho companheira, só mais um pouquinho, e então, só talvez eu volte a ser aquela que não se entende, mas vive. Anne Damásio