Eu sou fã dos loucos! Fã da capacidade
necessária de pisotear a razão com os dois pés, e não sentir um pingo de culpa
por isso, aliás a culpa que nos pesa como toneladas de merda sobre nossas
costas curvadas diante do mundo, não tem lugar na inconsciência de quem tem em
si sua matéria de sofrimento e de júbilo. Sou fã de quem constrói um mundo
paralelo e vive nele, sem o saco de torturas com que todos nascemos e vamos
enchendo ao longo do caminho: culpas, obsessões, necessidades impossíveis de
serem sanadas porque sempre são maiores do que a falta que as gerou, dores no
corpo que são puro reflexo dessas almas podres que portamos e escodemos com
perfumes, sorrisos e maquiagens...Mas tenho um problema real, os depressivos, a
quem medicam, escutam e tentam trazer à vida, esses tem consciência dessa sua
pseudo-loucura fundada na inadequação. Os depressivos conseguem visualizar a
razão mas a visão é nebulosa e via de regra lhes mostra quão inalcançável ela
pode ser quando ele ainda chafurda no pântano das tentativas de encontrar a
medicação adequada, enquanto ele ainda chora, treme e em meio ao pânico da
recuperação tenta permanecer à revelia de si...Os depressivos ao contrário dos
loucos que são sistematicamente afastados dos sujeitos ‘normais’ são incitados
a vir à tona de si, se reelaborar, ter vida social, mas sem os recursos que os
normais utilizam para suportar o absurdo em que se constitui a vida social, sem
álcool, e com a lucidez embotada pela dor, nem os mais teoricamente sãos
suportam o existir...armados até os dentes de pílulas para existir, andamos,
falamos, executamos tarefas que nos são designadas...mas essas pílulas
coloridas que nos são passadas ainda não conseguiram o grande feito, o de
ensinar a existir para além desse buraco no peito, cheio dessa matéria de inexistir,
supurando e nos afogando no mais podre de nós...Anne Damásio
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