É engraçado como mesmo cheios de arestas e
superfícies pontiagudas conseguimos produzir seres tão suaves ao toque e tão
macios. E assim foi com você, descobri
essa minha mania por elencar vezes sem fim o que admiro, quando contava
reiteradamente os dedos dos pés e das mãos, sempre contornando aquelas bolinhas
que se inscreviam abaixo dos dedos, ou ainda como os cheiros dos bebês podem
ser o contrário de tudo de ruim que existe no mundo, cheiros sem retoques, só
cheiros...Vê-la andar pela casa(aquele kitnete minúsculo que você mostrava a
suas amigas com olhos de quem ainda não entendia que o mundo é de quem tem, e
que ser quase nunca importa) como uma miniatura de adulto, toda
verborrágica(demorou para falar né Bia, mas quando desandou nunca mais parou)
explicando tudo que via com ares de especialista, me lembrava uma versão mais leve de mim, tentando explicar o mundo para facilitar a existência dos outros, mas sem angústias que geram pesos desnecessários..
As histórias antes de dormir eram rituais, e eu
toda viciada na segurança dos livros, sempre pegava um deles ao acaso para
começar o ritual, você me olhava grave e afirmava que preferia as que eu
inventava, ‘as que eu guardava no livro da minha cabeça’, esse livro que
precisou tantas vezes ao longo do tempo ser consertado. Mas então, comecei essa
história de suavidades, cheiros e lembranças para te dizer que descobri como
você estava predestinada a fazer jornalismo desde pequena...você tinha uma
mania engraçada de fotografar com uma máquina que não existia(ao menos para os
humanos que não enxergam além do óbvio) e depois de fotografadas as imagens
imperdíveis, você contava uma história para cada uma, me ocorre agora que
aquelas pequenas histórias, de coisas reais ou imaginadas(e quando uma coisa
começa, e quando outra termina?) era sua primeira aproximação desse mundo que
irá começar(e me refiro ao início com relação ao encontro, não com relação a
começar no primeiro, segundo ou terceiro semestres...me refiro a se encontrar,
saber o que quer fazer, e não deixar ninguém te dissuadir. Sou sua fã minha
contadora de histórias e facilitadora de mundos.
Anne Damásio
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