quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Cadê eu?

Passei anos às voltas com os outros numa interação vazia – aqueles que são como eu, que sangram por todos os poros não permanecem muito tempo em bando, e se o fazem é por puro desespero, medo, pavor do encontro consigo – quando falo do vazio que constituía as pessoas e algumas interações, me refiro ao fato de que tudo acabava em um segundo, tudo se esgotava no ato...as interações se resumiam facilmente a uma guerra corporal de egos, onde as injustiças e sofrimentos de cada um eram expostos e sempre considerados muito maiores que todos os demais, afinal, quem suporta carregar a própria carga? As conversas eram de uma banalidade obscena, como num jogo de pingue pongue, me construir para o outro(porque na falta de relações sólidas o que vale é a primeira impressão numa aparência retocada), apresentar quem não sou, e com um certo grau de intimidade(algo em torno de dois encontros em mesas de bar) falar mal de todos os outros, inclusive, baseando a fala numa auto imagem imaculada. Dessas interações restou esse vazio no peito...quanto a horda de sujeitos superficiais, permanecem pelas noites, sempre em mesas de bares. Se você vir a cadeira ao lado deles vazia, não se assuste, o ego deles não gosta de ficar de pé, ele já é grande o suficiente. Anne Damásio



terça-feira, 19 de novembro de 2013

"Quem inventou o amor? Me diga por favor."




Completamente inspirada pela sucessão de cenas românticas da novela das seis, caí naquele velho estado de deambulação mental, alguns humanos são bem curiosos(e afirmo isso consciente de que nos atracamos a essa ideia de amor romântico em função de um processo de socialização cruel, que desliza entre a disney, as novelas da globo – algumas ótximas – e romances de quinta, alternados com o desfavor ainda mais grave de livros de auto-ajuda com títulos mais antigos como: ‘mulheres são de marte...’ até ‘amor e sedução para a mulher do século XXI’), então, retomando meu delírio deambulatório, esses humanos são propensos a se agarrar aqueles começos, e tentar permanecer lá para sempre e arrastando o outro. Eles(e me refiro a mulheres e homens, por que ao contrário das reiteradas tentativas de relacionar romantismo e gênero a mulher, sabemos que o fracasso emocional atinge a tod@s, e o amor fracassado transformará o ex em padrão de idealização e procura, para o que obviamente não se encontrará mais), os tais humanos, irão procurar permanecer numa história que o resto da sua vida será pontuada por explosões emocionais e flores, pelo fogo dos primeiros anos, pela permanência das alterações orgânicas quando pensa na existência do outr@, que vai desde o frio na barriga, a uma ‘quentura’ que começa no pescoço e se materializa numa vermelhidão incontrolável no rosto...Deixa eu explicar – inclusive para mim mesma que também passei pela mesma adequação socializadora – amor que permanece é todo trabalhado na lentidão, na constância, na ausência de ciúmes(aqui tenho que parar para uma ressalva, pode ser que eu não tenha mais a erupções vulcânicas de todos os inícios, mas ainda tenho crises pontuais de ciúmes, as vezes bem feias, estilo visões com venenos, facas e sangue nos olhos, e na capacidade de arrancar todos os cabelos da criatura de uma puxada só....)Onde eu estava mesmo? Sim, na constância, na vontade de cuidar, na vontade de sair correndo do trabalho para ver alguém que você já conhece a dez anos, que você adora desgrenhada ou arrumada, e lá vem outro parênteses, arrisco a dizer que os casais normais(e aqui, creia, não me refiro a heteros), esses casais preferem a criatura descabelada, leve, com aquele cheiro que é tão característico quando o perfume que é a cara da pele do outro já foi ficando longe e o que sobrou foi a pele...bom, no meu caso não é por romantismo, é porque a versão que o povo surta e fica louco para pegar pra si, e a versão trabalhada no perfume francês e com o cabelo impecável...amor de verdade é aguentar mau humor(e disso eu entendo), aguentar loucuras e cara amarrada(disso você entende)...E o mais importante, mesmo ciente do que há de melhor em nós, mesmo ciente de todos os defeitos, o amor escolhe permanecer aqui, porque cada vez que pensa em ir embora, tem um medo pânico de nunca mais te ver voltar. Anne Damásio


Ilustração: Audrey Kawasaki



segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Aproveitando a licença poética concedida para enferm@s...



Espera, estou bemmmm confusa, quando as pessoas me conhecem, seja nos relacionamentos fraternais ou afetivos, e nos relacionamentos afins - aqueles que vem por tabela. Consideram minhas ‘insanidades’ temporárias ou não, como bonitinhas, nos momentos iniciais nós somos divertidos, espirituosos, inteligentes, e mais uma porrada de adjetivos que eles utilizam para justificar porque que do alto da sua inestimável importância, se dariam ao trabalho de nos aguentar, seja por nós, seja porque nossos amigos de verdade nos aguentam, ou por motivos que escapam a minha capacidade limitada de entender de oportunismos e sacanagens em geral. Tempos depois, esses mesmos sujeitos começam a considerar que a nossa loucura bonitinha, agora tá ficando feia, exagerada, arreganhando os dentes...e começa a enlouquecê-los, surgem até máximas curiosíssimas como: ‘você está querendo me enlouquecer!’ Pirou por osmose? Justo eu que considero que poucas pessoas são capazes de se entregar a loucura, até porque grande parte da humanidade se dedica a maldade na versão mais rasteira...E depois a segunda cacetada, o pedido de mudança, de necessidade de adequação nos seguintes termos: ‘seja menos intempestiva’, ‘tenta não falar tudo o que pensa’, ‘seja menos séria, as pessoas te acham antipática’, e milhões de eteceteras depois, é minha vez de falar: Como diabos vou me transformar em algo que não sou e nem quero ser? Se eu me adequar aos seus moldes quem serei eu? Eu até gosto de mim assim, meu jeito torto é a única parte que não mudaria e que reivindico minha, porque quanto aos critérios estéticos Deus não foi gentil. E para finalizar reza a lenda que se não ferirmos os demais – e nesse sentido tenho a decência de pedir perdão a quem porventura eu tenha ferido – podemos nos esforçar para agradar, mas a uma única pessoa, a nós mesmos, se eu assim não sirvo:. PROBLEMA SEU, sabe por quê? Se eu mudar, eu não serei eu!! AnneDamásio


sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Esse corpo ainda me pertence?



Essas enfermidades que acometem nossos corpos tão indecifráveis antes do olhar dos médicos, patologistas, e toda a horda atabalhoada de seres de branco - que nos olham como se estivesse a meio caminho entre a descoberta e o medo do que virá - são engraçadas. Retiram pequenos pedaços de nós na busca pelo que se alojou nesse corpo, ainda seu, mas, já meio cansado de ser perfurado, devassado e toda a sorte de tentativas de esclarecimentos. Mandam partes suas em recipeintes esterelizados para laboratórios diversos...e o que lhe resta? aguardar o que virá, porque pela lógica deles eu sei TUDO que eu não tenho, mas a investigação continua, com ou sem mim. Fico me perguntando se não seria mais interessante oferecer um resumo detalhado de tudo que o cristão estaria intuindo, de tudo que pode acontecer, para depois destilar aquelas falas prontas de: ‘relaxe, vai ficar tudo bem’, ou ainda, ‘tente não pensar no pior, pedimos esses exames apenas por precaução’, alguém explique para esses cristãos que fazem saúde que isso aqui não é um exame de sangue e que ter o seio furado cinco vezes para uma anestesia, não sentir a incisão, mas perceber os movimentos, ouvir aquele barulinho de carne sendo queimada nos momentos finais da tal cauterização(que eu achava que estava restrita a reconstituição dos cabelos) não é super tranquilo, ainda mais com o bafo do outubro rosa na sua nuca. Para piorar, e me fazer lembrar que eu odeio 2013 com todas as forças que ainda restam, os sintomas da depressão resolvem fazer parte desse banquete canibalesco, nunca me senti tão disputada(em alguns momentos essa maldita veia depressivo-suicida clama por um resultado bem trash, e já começa a programar o funeral e as divisões do que não deu tempo de  acumular), e enquanto eu me analisava, descubro que não sei quem sou, ou o que faço por essas paragens insólitas...preocupada com minha incapacidade existencial, abro a guarda e então, um intruso surge, e entra em mim, via mama esquerda, diacho, já não basta o governo mamando nas minhas tetas? Anne Damásio

Fotografia: Laura Zalenga

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Prece pela eliminação de todas as instituições castradoras...


Eu já disse adeus a tanto tempo. Essa pouca vontade de viver já não seria uma forma de morrer? Pago caro demais por esses olhos cansados que enxergam com todos os sentido, me apego, me agarro, vocifero contra toda essa multidão de míopes sociais, enlouqueço com as injustiças que se mostram cínicas, nesse balé canibalesco. Me assombra que os demais humanos só percebam que algo é efetivamente injusto quando ocorre com eles...Tantos supostos princípios cristãos, tanto discurso ensaiado e apoiado em Deus, na Ciência, na moral -  em tudo que lhes falta. Se algum dia existiu humanos no mundo, onde eles se esconderam?

Desfiaria tranquilamente um rosário de contas pretas para chegar até lá, fixar moradia e rezar para que eles não passem pelo mesmo ciclo sagrado – sim, porque o profano que reina por aqui, num número cada vez menor, guarda ainda o verdadeiro sentido pagão, faz saraus, manifestações, abomina o mencionado acima, e se senta na mesa dos que querem comungar de verdade – que acabou com o mundo daqui. Anne Damásio


domingo, 10 de novembro de 2013

Exercitando a capacidade de cair sem permanecer no chão...




O joelho esfolado, a cabeça regurgitando todas as insanidades, uma revolta do corpo contra ela, a separação da alma e do corpo que se dera outrora no mundo da ciência, se materializara nela, nessa sua procura pela objetividade e pela dessacralização de todas as coisas, escudo certo contra o que não conseguia explicar, o problema óbvio dessa separação era que em momentos como esse sentia necessidade de acreditar em algo, circular livremente pelo plano espiritual, mas como fazê-lo se tinha jogado as chaves fora? Sobrara o corpo e as suspeitas da ciência – aquela mesma que ela adorava – contra ela, contra seus modos de vida, seus descuidos, sua mania de cuidar de apenas uma parte de si, na procura desenfreada pelo conhecimento que depois de tantos anos só alcançara naquela dimensão inicial. Sobrara esses desastres corporais, esse corpo agora vezes sem conta, devassado por máquinas, mil vezes lidos pelos moços de branco do alto, e pela sua paradoxal segurança de não saber ainda do que se trata, mas brincar daquele jogo de acertos e erros como ninguém. Meu joelho esfolado doía e minha capacidade de acreditar, que eu depositara com tanta força na ciência, falhava...Anne Damásio