quinta-feira, 30 de maio de 2013

(des)existir...




Estou excessivamente lúcida, e a desorganização interna persiste, outra forma de falar do caos que eu sou...uma sensação abismal de inconsistência, que se traduz inclusive organicamente. Daria tudo para parir um sentido! Apago-me e não mais me vejo, como se a ausência de formas provocasse uma ausência de mim, e não mais estando não sou, não sendo não há sujeito possível. Cadê eu? Ela diluiu-se, foi-se com a vida, empurrada pela vida para a melhor forma de permanecer, (des)existindo por completo! Anne Damásio

Fotografia: Brooke Shaden

quarta-feira, 29 de maio de 2013

À beira de mim sem eu...


Tenho medo, e preciso te dizer isso, do lado dos vivos esperam a mulher que faz festas, que interpela o silêncio com perguntas, que recebe, escuta, e vive, a exaltada...mas ela partiu, partiu de mim, e me abandonou, não jogou migalhas ao chão, e não consigo encontrar o caminho, nem mesmo sei  se terei forças e sobretudo vontade para fazer as pazes com o mundo, porque esse universo inteiro me corrói as entranhas...não quero mais fazer jogo social, não quero mais interpretar o papel que eu escrevi para mim...não quero mais ser eu! O mais louco dentro desse ser/estar excessivamente lúcido é observar isso que todos chamam de ‘ser normal’, essa condição que se coloca de forma patologicamente facista, determinando qual o modo possível de viver, eles não sabem o que é a lucidez, eles vivem naquele limite superficial em que aos ‘anormais’ não é permitido viver...então blindam a existência a sensibilidade e enquanto para alguns ela é matéria de salvação, para os ‘normais’ ela é desnecessária porque pode desavisadamente te levar ao abismo! Que venham os abismo porque chega um momento em que cansamos de ser/estar qualquer coisa para os outros...Anne Damásio

terça-feira, 28 de maio de 2013

Dos meus demônios sei eu...

Na madrugada daquele domingo senti que eles tinham voltado, dessa vez em bando...e não havia como escapar, a presença era obsediante tudo ali impedia o avanço, seja para a esperança de ficar melhor, seja para conseguir realizar as coisas mais óbvias que compõem o cotidiano do comum dos mortais...Fiz força para não atingir os outros – os-que-co-mi-go-con-vi-vi-am – mas eles estavam resguardados pela medicação, aprendi depois, aprendi ainda que ela ajuda a levantar, controla nosso impulsos mais desintegradores, mas o objetivo é sempre o outro, a minha relação com o outro, porque a díade eu/comigo continua obscenamente desestruturada...Então a distância entre as coisas, esse silêncio inabitado entre o começo da minha necessidade de ausentar-me, porque eu não estava em mim...E a tarefa de buscar quem sou, que me parece cada vez mais hercúlea, como se em algum momento eu tivesse abandonado esse
corpo/invólucro e agora com o tempo que passa não conseguia mais caber, eram outros moldes, um corpo envelhecido/envelhecendo(que não me angustiava), o que me angustiava era a dor que residia naquele espaço de mim sumariamente contido pelas medicações e que não conseguia mais vir à tona...tinha desejos estranhos, como o de não tomar a medicação para ver se encontrava aquela criatura perturbada que literalmente naufragou na existência dos ‘sujeitos normais’, aquela de todos os começos...Essa procura me jogava numa dimensão perigosa, então tinha que lançar mão de alternativas as mais diversas, desde as mais aterradoras como aquelas que eu mobilizava para sair de mim, ou para não sentir, ciente de que no dia seguinte a dor invadirá todos os meus poros... até os recursos mais saudáveis, em termos de escrita, voltara a usar as reticências, como respirações para esse ser essencialmente taquipsíquico com ânsia de compreender tudo a sua volta...filmes, sempre aqueles que me aproximassem da dor dos outros, talvez uma forma meio sádica de me livrar da minha nos intervalos entre uma e duas horas que compõem todos as películas(me misturava a vida dos sujeitos, Marie Kroyer, Seráphine, Peyton, Susanna Kaysen, Camila e todos os outros de mim, só enquanto eu não me achava...apesar do medo de saber que ao me encontrar acabaria, não sei se esse ser de agora, com a visão embotada e a incapacidade de ver algo bonito em meio a esse caos que eu sou, ou o outro ser que deixei a meio caminho entre aquela dor inicial e a constatação desse novo personagem, a apatia, tão terrificante quanto os personagens iniciais desse drama, o desespero e a melancolia...Mas sei sem sombra de dúvidas que preciso seguir, que essa dor(coma licença poética de Caio F.) que agora samba de salto agulha no meu peito, calçará sandálias leves e caminhará pela vida...apenas não sei em que momento será isso, por enquanto deixo as palavras saírem apressadas de mim...

Anne Damásio



quinta-feira, 16 de maio de 2013


E agora que meus olhos secaram, agora que as barricadas de caixinhas das mais diversas cores ‘controlam’ a dor, domando-a, não sei se para evitar que os outros sejam atingidos, se para evitar que eu sucumba! E agora eu pergunto, como eu faço pra viver? Me vejo as voltas com um labirinto de signos, disformes ainda, não me encontro neles, não me encontro no mais óbvio que são essas lágrimas que deveriam lavar a dor...sei que o intuito foi contê-las, porque nas últimas vezes em que irromperam, vieram incontroláveis, causando um imenso estrago nessa lógica de eu-(com)-vi-vem-do-com-o-ou-tro...As elucubrações do médico eram bem fundamentadas, aquela metáfora do tapete, de quanto lixo nesses anos de ‘dor na alma’ eu havia jogado para baixo do tapete...de como em função disso não havia mais possibilidade de caber. Ele só não me falou como viver em mim não sendo mais eu! Anne Damásio

Fotografia: Brooke Shaden


terça-feira, 14 de maio de 2013

Negociando com o caos que eu sou...



Eles chegaram em revoada, reivindicando ‘um pago’ pela minha existência de não caber...(re)instalaram o caos, acordaram-no e eis que aquele gritava em meus ouvidos cobrando atenção só pra si...me mandava parar e dançar com ele, eu que nem valsar sabia...Me assustei com a gritaria, com os chamados e o cinismo, meus demônios antes adormecidos, ressuscitavam cobrando um acordo que conscientemente eu não fizera! Seguindo a velha lógica de preservar aqueles que amamos, procurei o ‘doutor’ que me encheu de caixinhas coloridas, vermelhas, azuis, pretas(dessas últimas eu gostava sobremaneira), e meus demônios foram se aquietando, sem dar adeus, porque sabe, eles nunca vão embora...em seu lugar a apatia persistia, cercada de quando em vez de arroubos de euforia, e da tristeza, aquela acionada no momento inicial...do choro compulsivo só restou essa secura nesses olhos de ver demais...Acabei de lacrar o caos! Anne Damásio





Fotografia: B. Shaden

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Escritos novos acerca de uma velha dor...


Ela sempre sonhou com a escrita...e por desacreditar de/em si brincou a vida inteira de procrastinar...pequenos textos, blogs, obviedades acerca da dor obscena que a caracterizava(como a todos aqueles entes sensíveis, disposto a habitar os subterrâneos, mas impossibilitados de permanecer por lá)...então a vida adulta, as obrigações reais, as tentativas de tornar viável a existência no que ela tem de material, e aquela agonia interior que eclodia vez ou outra...para isso tratavam os sintomas, medicalizavam sua dor...deixando-a adormecida...Mas e agora companheiro? Ela voltou, o que fazer com isso que cobra dela o retorno aos sonhos, a ressignificação de todos os caminhos. O que fazer? Anne Damásio