Na madrugada daquele domingo
senti que eles tinham voltado, dessa vez em bando...e não havia como escapar, a
presença era obsediante tudo ali impedia o avanço, seja para a esperança de
ficar melhor, seja para conseguir realizar as coisas mais óbvias que compõem o
cotidiano do comum dos mortais...Fiz força para não atingir os outros – os-que-co-mi-go-con-vi-vi-am
– mas eles estavam resguardados pela medicação, aprendi depois, aprendi ainda que
ela ajuda a levantar, controla nosso impulsos mais desintegradores, mas o
objetivo é sempre o outro, a minha relação com o outro, porque a díade
eu/comigo continua obscenamente desestruturada...Então a distância entre as
coisas, esse silêncio inabitado entre o começo da minha necessidade de
ausentar-me, porque eu não estava em mim...E a tarefa de buscar quem sou, que
me parece cada vez mais hercúlea, como se em algum momento eu tivesse
abandonado esse
corpo/invólucro e agora com o tempo que passa não conseguia
mais caber, eram outros moldes, um corpo envelhecido/envelhecendo(que não me
angustiava), o que me angustiava era a dor que residia naquele espaço de mim
sumariamente contido pelas medicações e que não conseguia mais vir à tona...tinha
desejos estranhos, como o de não tomar a medicação para ver se encontrava
aquela criatura perturbada que literalmente naufragou na existência dos
‘sujeitos normais’, aquela de todos os começos...Essa procura me jogava numa
dimensão perigosa, então tinha que lançar mão de alternativas as mais diversas,
desde as mais aterradoras como aquelas que eu mobilizava para sair de mim, ou
para não sentir, ciente de que no dia seguinte a dor invadirá todos os meus
poros... até os recursos mais saudáveis, em termos de escrita, voltara a usar
as reticências, como respirações para esse ser essencialmente taquipsíquico com
ânsia de compreender tudo a sua volta...filmes, sempre aqueles que me
aproximassem da dor dos outros, talvez uma forma meio sádica de me livrar da minha
nos intervalos entre uma e duas horas que compõem todos as películas(me
misturava a vida dos sujeitos, Marie Kroyer, Seráphine, Peyton, Susanna Kaysen,
Camila e todos os outros de mim, só enquanto eu não me achava...apesar do medo
de saber que ao me encontrar acabaria, não sei se esse ser de agora, com a
visão embotada e a incapacidade de ver algo bonito em meio a esse caos que eu
sou, ou o outro ser que deixei a meio caminho entre aquela dor inicial e a
constatação desse novo personagem, a apatia, tão terrificante quanto os
personagens iniciais desse drama, o desespero e a melancolia...Mas sei sem
sombra de dúvidas que preciso seguir, que essa dor(coma licença poética de Caio
F.) que agora samba de salto agulha no meu peito, calçará sandálias leves e
caminhará pela vida...apenas não sei em que momento será isso, por enquanto
deixo as palavras saírem apressadas de mim...
Anne Damásio
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