O joelho
esfolado, a cabeça regurgitando todas as insanidades, uma revolta do corpo
contra ela, a separação da alma e do corpo que se dera outrora no mundo da
ciência, se materializara nela, nessa sua procura pela objetividade e pela dessacralização
de todas as coisas, escudo certo contra o que não conseguia explicar, o
problema óbvio dessa separação era que em momentos como esse sentia necessidade
de acreditar em algo, circular livremente pelo plano espiritual, mas como
fazê-lo se tinha jogado as chaves fora? Sobrara o corpo e as suspeitas da
ciência – aquela mesma que ela adorava – contra ela, contra seus modos de vida,
seus descuidos, sua mania de cuidar de apenas uma parte de si, na procura
desenfreada pelo conhecimento que depois de tantos anos só alcançara naquela
dimensão inicial. Sobrara esses desastres corporais, esse corpo agora vezes sem conta, devassado por
máquinas, mil vezes lidos pelos moços de branco do alto, e pela sua paradoxal segurança de não saber ainda do que se trata, mas
brincar daquele jogo de acertos e erros como ninguém. Meu joelho esfolado doía
e minha capacidade de acreditar, que eu depositara com tanta força na ciência,
falhava...Anne Damásio
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