À margem de mim eu me observo, nunca
concluo, já trago nas costas sacos pardos com escolhas erradas, derramei
algumas pelo caminho para torna-lo mais leve. Decorrente dessas escolhas arco
com aquelas que são parte concreta do que foi escolhido, me imiscuo de lidar
com o lado torpe da vida, bem Rubem Alves, queria tanto que o poder fosse
retirado das garras retorcidas desses sujeitos doentes, e oferecessem-no à
ternura, à delicadeza, ao que acalente à alma. Não faço parte, não sei caber em
receitas prontas de como ser, não sei empilhar as dores uma após outra,
armazeno tudo em uma bagunça toda minha, junto com os viveres da próxima dor. Não
me deixarei engolir pela burocracia revestida de facilidade. Não falarei senão
com quem quer me ouvir. Não alardearei minhas angústias a quem pode se pendurar
nelas e me levar junto. Tenho consciência de que não cabendo em mim, sairão dos
meus olhos e da minha boca essa sobra, isso que escorre lavando a tudo que vê
pela frente, que quer afagar as gentes, e nunca pisar nas pessoas, a vida já
faz isso com uma maestria inigualável. Me fogem junto com isso que escapa pelos
olhos, os sonhos, que deixei adormecidos no canto esquerdo da minha alma, e de
tantos anos hibernando morreram de inanição, tento trazê-los de volta a vida,
talvez assim consiga a paz que procuro sem encontrar, me ocorre que procurei
nos lugares errados até então, que a urgência que me acompanha me
atropelou. A vida assombra meus dias
enchendo-os de morte, as caras dissimuladas nos corredores, a mania de espreitar
pelo canto do olho. Quero estar em mim entre aqueles que sei que estão
dispostos a uma abertura de espírito para me receber. Fujo sistematicamente da
vileza que bateu outro dia na porta da sala, tenho uma urgência de paz que não
combina com a necessidade dela. Preciso tornar claro que não me enquadro em
formulas de bem viver, identidades prontamente forjadas, comercial de
margarina. Se ser livre é não se render, não lançar mão de conceitos apaziguadores
e se colocar em posição de abertura a mudanças que ensejem paz. Então eu
sou/estou livre. Anne Damásio
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