Eu sou fã dos loucos! Fã da capacidade
necessária de pisotear a razão com os dois pés, e não sentir um pingo de culpa
por isso, aliás a culpa que nos pesa como toneladas de merda sobre nossas
costas curvadas diante do mundo, não tem lugar na inconsciência de quem tem em
si sua matéria de sofrimento e de júbilo. Sou fã de quem constrói um mundo
paralelo e vive nele, sem o saco de torturas com que todos nascemos e vamos
enchendo ao longo do caminho: culpas, obsessões, necessidades impossíveis de
serem sanadas porque sempre são maiores do que a falta que as gerou, dores no
corpo que são puro reflexo dessas almas podres que portamos e escodemos com
perfumes, sorrisos e maquiagens...Mas tenho um problema real, os depressivos, a
quem medicam, escutam e tentam trazer à vida, esses tem consciência dessa sua
pseudo-loucura fundada na inadequação. Os depressivos conseguem visualizar a
razão mas a visão é nebulosa e via de regra lhes mostra quão inalcançável ela
pode ser quando ele ainda chafurda no pântano das tentativas de encontrar a
medicação adequada, enquanto ele ainda chora, treme e em meio ao pânico da
recuperação tenta permanecer à revelia de si...Os depressivos ao contrário dos
loucos que são sistematicamente afastados dos sujeitos ‘normais’ são incitados
a vir à tona de si, se reelaborar, ter vida social, mas sem os recursos que os
normais utilizam para suportar o absurdo em que se constitui a vida social, sem
álcool, e com a lucidez embotada pela dor, nem os mais teoricamente sãos
suportam o existir...armados até os dentes de pílulas para existir, andamos,
falamos, executamos tarefas que nos são designadas...mas essas pílulas
coloridas que nos são passadas ainda não conseguiram o grande feito, o de
ensinar a existir para além desse buraco no peito, cheio dessa matéria de inexistir,
supurando e nos afogando no mais podre de nós...Anne Damásio
sábado, 24 de agosto de 2013
segunda-feira, 12 de agosto de 2013
Duplo movimento...
À margem de mim eu me observo, nunca
concluo, já trago nas costas sacos pardos com escolhas erradas, derramei
algumas pelo caminho para torna-lo mais leve. Decorrente dessas escolhas arco
com aquelas que são parte concreta do que foi escolhido, me imiscuo de lidar
com o lado torpe da vida, bem Rubem Alves, queria tanto que o poder fosse
retirado das garras retorcidas desses sujeitos doentes, e oferecessem-no à
ternura, à delicadeza, ao que acalente à alma. Não faço parte, não sei caber em
receitas prontas de como ser, não sei empilhar as dores uma após outra,
armazeno tudo em uma bagunça toda minha, junto com os viveres da próxima dor. Não
me deixarei engolir pela burocracia revestida de facilidade. Não falarei senão
com quem quer me ouvir. Não alardearei minhas angústias a quem pode se pendurar
nelas e me levar junto. Tenho consciência de que não cabendo em mim, sairão dos
meus olhos e da minha boca essa sobra, isso que escorre lavando a tudo que vê
pela frente, que quer afagar as gentes, e nunca pisar nas pessoas, a vida já
faz isso com uma maestria inigualável. Me fogem junto com isso que escapa pelos
olhos, os sonhos, que deixei adormecidos no canto esquerdo da minha alma, e de
tantos anos hibernando morreram de inanição, tento trazê-los de volta a vida,
talvez assim consiga a paz que procuro sem encontrar, me ocorre que procurei
nos lugares errados até então, que a urgência que me acompanha me
atropelou. A vida assombra meus dias
enchendo-os de morte, as caras dissimuladas nos corredores, a mania de espreitar
pelo canto do olho. Quero estar em mim entre aqueles que sei que estão
dispostos a uma abertura de espírito para me receber. Fujo sistematicamente da
vileza que bateu outro dia na porta da sala, tenho uma urgência de paz que não
combina com a necessidade dela. Preciso tornar claro que não me enquadro em
formulas de bem viver, identidades prontamente forjadas, comercial de
margarina. Se ser livre é não se render, não lançar mão de conceitos apaziguadores
e se colocar em posição de abertura a mudanças que ensejem paz. Então eu
sou/estou livre. Anne Damásio
sexta-feira, 9 de agosto de 2013
Mãe, Elena, Petra: impressões sobre Elena - O filme.
Quando ela fica assim com o olhar perdido ela
quase sempre vê Elena. Mas não é de Elena e sua presença tão palpável a ponto
de apagar as vozes que a narram que eu quero falar...Eu quero falar de você Petra,
dessa abnegação suprema por Elena, quero falar de como tudo em você é a presença/ausência
de Elena. A sua pergunta ecoa na minha cabeça sempre prestes a estourar, não de
dor, mas dessa espécie de taquicardia psíquica que me acompanha pela vida a
fora. E como toda pergunta definitiva, nos deixa atônitos: Qual o meu papel? Qual o meu papel
nesse filme? E a essa eu acrescento, quem é você? Quem é você Petra?
Então, nessa confusão de vozes que narram, de
fios entalados no peito, você sente a presença de Elena, agora sua irmã não é
apenas aquela que se foi, deixando as marcas da necessidade de viver de/para a
arte em você. Ela não é só a que você tem que esquecer, ela é aquela que te faz
lembrar tudo que você não pode ser. Elena está em você, e você 'afoga-se nela’...e
oferece outra vida a ela, para mata-la em seguida...interpreta Elena para se
entender, como eu que escrevo sobre a morte para suportar viver.
Petra, a anti-Elena, a que nunca deveria ser
atriz, nunca deveria pisar em Nova York.
E Elena dentro dela, enroscada nas recordações, que Petra guardava no
canto esquerdo da sua cabeça, e que vez em quando se derrama pela cabeça
inteira, ameaçando devorar alguém que ela nem era ainda...para ser alguém ela
deveria encontrar Elena, refazer caminhos. Mas tenho medo, me ocorre que ela se
entregue meio que subversivamente a tudo que não deve ser, e vá embora com
Elena. Fica Petra, vai!
Anne Damásio
quarta-feira, 7 de agosto de 2013
Jamantas, Caio F, vontade de partir, necessidade de ficar...
“Justo quando ela resolve voltar a viver vem a
vida e passa por cima dela. Tá bom, não foi exatamente a vida, foi a jamanta.
É, aquela do disk jamanta de Caio F. Ele dizia que quando a barra tá pesada
demais, sempre podemos contar com uma jamanta. Mas viver no Brasil é complicado
até na ficção. Deixa ela explicar, o telefonema para o serviço de morte
express, sem danos a máquina do mundo ou sujeiras desnecessárias foi realizado
no dia que ela percebeu que não conseguia parar de sentir, e esse excesso de
sentimentos que lhe impediam de caber provocava tremores incontroláveis, e uma
vontade fininha de ir embora sem deixar vestígios. Mas sabe como é serviço
público né? Atrasou dois dias, e só conseguiu levá-la quando ela não queria
mais ir.” Anne Damásio
segunda-feira, 5 de agosto de 2013
Sem ar...
Avisaram que a espátula deveria ser depositada
suavemente entre os seios, cortando dentro com a base da ponta, porém era
obrigatório manter intacto o lado de
fora. Mas então houve o erro no manuseio, atingindo o órgão do lado, e o
coração que era pra perecer, permanecia intacto, insistente, derramado. Dizem
que toda semana ele arranjava uma nova utopia – materializada nas mais
diversas formas, pessoas, coisas, gordura corporal, dor no juízo e raiva do
mundo - -, a constatação da utopia renascida era aquela falta de ar, que
ela esquecia que na verdade não passava de manuseio errado. Então cuidadosamente
enfiou a espátula novamente, e dessa feita matou o coração, um monte de gente
escorreu pela pele depositando-se ao chão, esses que caíram dela foram pisados. Anne Damásio
sábado, 3 de agosto de 2013
Sem pele...
Tenho esse hábito estranho de morrer um
pouquinho todos os dias, a parte isso sobrevivo para além do que se foi, o
estranho nesse ritual simbolicamente experienciado é as centenas de pedaços que
ficam pelo chão, normalmente pele, mãos, olhos, pedaços do cérebro... Não sei
quando esse fato deixará o reino do simbólico transformando-se em toda a sua
literalidade, mas pensar nisso me provoca um certo medo, que preferia não ter,
tenho aprendido que se não posso ficar por mim, por causa dessa mania de
caminhar sem pele por aí, tenho que ficar pelos meus e os que me elegeram parte
e parcela das suas vidas. Uma outra sensação estranha porém meio purgativa, é
que nessa de sair por aí sem pele, sinto-me
constantemente desmanchar, e ainda não identifiquei esse líquido a meio caminho
entre amarelo e vermelho, penso ser
sangue e algum tipo de gosma interna que escorre ao longo do meu corpo em
profusão, não compreendo como os sujeitos que andam comigo não veem isso que
escorre, não ouvem os barulhos que a minha cabeça faz, não sentem o maldito
odor que exala através da minha pele desse bicho que se esconde na minha perna
direita e a noite sobe para a cabeça para seu banquete canibalesco...Mais
partes perdidas do que eu não sei quem sou! Anne Damásio
Da gratidão...
Acho que preciso de novas asas, com
revestimento garantido contra colisões e derrapagens, da escalada do fundo do
poço ainda estou na metade, nesse tempo de falência emocional e existencial,
descobri que aqueles que se auto proclamavam meus amigos, que contaram comigo
em momentos que certamente outros mortais não estariam por perto...ah, meus
senhores, esses desapareceram de fininho, de repente esqueceram para que serve
o telefone, e nesse caso não me refiro as ligações para me solicitar na vida
deles. Visitas a minha casa foram sutilmente evitada sob pena de me incomodar,
mal sabem eles que tudo que precisamos em momentos de vontade de (des)existir, é
um olhar de verdade de ‘eu não sinto como você, mas imagino que é demais sentir
assim’, nesses instantes de dor a presença é como bálsamo...Mas não são só
lamúrias, essa dor estranha produzida por esse bicho que hiberna aqui dentro, e
que me recuso a dizer o nome, me mostrou também quem eram as pessoas de
verdade, as que me aturavam quando nem eu me suportava, e por elas vou ficando,
e por elas vou levando...mesmo no último baque, quando senti muito perto o
abismo, elas estavam lá me puxando pela mão e me trazendo de volta a razão, a
vocês eu amo, e das poucas virtudes que eu tenho uma delas é a gratidão, eu
definitivamente tendo a esquecer as sacanagens que me fazem, dói menos seguir
assim, mas NUNCA esqueço o bem que me fizeram. Anne Damásio
quinta-feira, 1 de agosto de 2013
só mais um pouquinho companheira...
Quem é essa que me habita? Que boicota minhas
tentativas quase sempre inábeis de sobreviver no mundo real, que protela o
necessário até o fim de todos os prazos, que me define como vencida e sem saída
antes mesmo de eu esgotar todas as possibilidades? Essa que há em mim mas que
não sou eu, quer me ver entregue ao mais sem jeito da vida, aquele abismo que
antecede todas as mortes, mesmo as involuntárias. A parte ela, ergo-me lenta e
pesadamente, arrisco alguns passos em volta de mim, sento, respiro...só mais um
pouquinho companheira, só mais um pouquinho, e então, só talvez eu volte a ser
aquela que não se entende, mas vive. Anne Damásio
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