Perdidas as minhas tolas ilusões, só restou
esse eu em mim, em frangalhos, e quase nunca importa quando estamos assim
dilacerados por dentro, negando a dor com um sorriso amarelo pra consumo
externo. Ser forte é o imperativo para atravessar os dias, começo a colocar um
pé atrás do outro, caio, mas caio de pé, com a firmeza de quem não consegue
compreender o lado vil da vida, mas tem de viver apesar dela. Preparo uma
fornada de coragem para suportar os dias sem nunca mais me deixar esmagar por
eles. Retomo os rumos que perdi. O doutor me dirá quarta-feira se já posso
viver num mundo que não compreendo, a vida me chama, minha cabeça reclama, mas
eu vou! Anne Damásio
terça-feira, 30 de julho de 2013
segunda-feira, 22 de julho de 2013
Carta para minha vó!
Oitenta e seis anos, e eu teimava em acreditar que Deus seria gentil em nos conceder sua presença por mais uns doze anos, confiando numa lógica sem lógica de que chegarias aos noventa e oito(mesma idade que seu pai faleceu...dele guardo só um lembrança longe de um senhor magro de andar encurvado e muito sério, como se o mundo fosse demais para ele, e sempre é, não é mesmo?) Já de você eu não esqueço, lembro de uma vez em que pegava algo na geladeira, aquela mesma que por tanto tempo ficou na casa de um dos seus filhos, porque era assim que o mundo funcionava para você, primeiro os outros e nunca você, e então olhando para mim soltas a máxima: Meu Deus, toda riscada, ainda pretende fazer mais desses desenhos(você se referia as tatuagens, eu ri...aquele era seu jeito de dizer que amava). Sabe o liquidificador que você me deu quando nem você tinha, e eu começava a montar uma casa que levaria nas costas até encontrar um lugar definitivo para viver, ele ainda está aqui comigo, já troquei duas vezes o copo, mas não consigo me desfazer dele, porque tenho pavor de esquecer as coisas que me ligam a você, tenho pavor de esquecer a sua voz, tenho pavor de pensar que uma pessoa que se doava até o limite do esquecimento foi embora daqui...minha filha nasceu no dia do seu aniversário, essa era minha homenagem para você, e agora que comemoraremos dezessete anos de existência dessa pessoa incrível que eu gestei e pari, sinto uma falta ensandecida de você aqui, como naquele outro aniversário. Essa semana tentei fazer aquele arroz com carne, porque dani estava doente, e você dizia que “dava sustância”, não consegui, sentei no chão da cozinha e chorei, por você não estar aqui, por eu não poder te ligar para me dizer como fazer, por eu não ter feito um livro com todas as receitas que eu adorava...foram tantos eus mencionados agora, e me ocorre que sou tão egoísta querendo sua permanência eternamente, e esse desejo de permanência não foi suficiente para assegurar que sua vida não chegasse ao fim. O que passava na tua cabeça tão branquinha ultimamente vó? Como era viver naquela casa pequena com um quintal, em que as vozes das casas ao lado se faziam ouvir mais altas que a sua? Tenho tanta saudade de pegar na sua mão, queria tanto ouvir a história do sapato trocado, ou a do vestido verde que você usou para passar na frente de vovô. Porque te roubaram o teu mundo? Porque não te deixaram ser? Mas o que você seria? Você tinha essa estranha mania de viver para os outros esquecendo-se de si. Me ocorre agora uma frase da carta de Saramago para a avó, ele conseguiu condensar o que você sentia, quando teve a certeza que iria partir: "O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer!" Anne Damásio
sábado, 20 de julho de 2013
É só um desabafo, meio sopro no escuro...
Não, ninguém se cura dessa coisa, nos sentimos melhores,
depois vem uns momentos engraçados(na falta de um termo risível que torne menos doído) de apatia, alternados com melancolia...e a
porra toda que subtraia nossa existência plena da bobagem que é acreditar que
podemos viver plenamente...é um rodízio de equívocos, de ausência de sentidos
ou algo assim...mas eu me pergunto assim como??? e começa o que não tem fim...Anne Damásio
Meio&cheia...
Intolerância, ingratidão, insatisfação
agudas...ando meio cheia de tudo(o que soa engraçado não é mesmo?
Meio&cheia(como duas coisas opostas que por serem opostas se completam uma
engolindo a existência da outra...hehehe...surto esquizoimune...Não tenho mais
saco para ingratidão, para sumiços oportuníssimos, para gente falando aos
borbotões sobre coisas desinteressantíssimas e eu fazendo a linha altamente
compreensiva com a sua futilidade galopante...não tenho saco para dar o melhor
de mim, e esse melhor sempre ser muito pouco para os ideais pseudo-burgueses de
quem não sabe o que é se doar. Para tranquilizar sua alma que não suporta
profundidades, me pergunto se pelo medo de se perder nelas?...o problema sou
eu, eu e essa idade que vai me fazendo chorar cada vez mais e rir com muita
maestria de mim, mas me resguarda o direito de não aturar o que não é possível
de ser aturado, porque dói demais fingir...e como diria Caio F. até sei fazer
jogo social, mas me recuso, portanto, não espere um sorriso quando eu não
estiver afim de fazê-lo, não me violento por convenções, não espere que eu vire
uma naja porque o mundo é cada vez menos habitável(porque faz tempo que digo
najices para suportá-los...o mundo e alguns espécies superficiais que o
habitam)...Mas voltando ao problema sou eu, essa idade, essa curva dos quarenta
que se insinua me permite não ter que ser tudo que esperam de mim, me permite
ser muito mais eu, assim, sentindo aos borbotões e exprimindo isso a cada momento,
carente, chata, pegajosa, confusa, dona das minha verdades momentâneas, mas
sobretudo a pessoa que vai te respeitar a exaustão se sentir(porque eu sou
assim, de sentires...) que você merece. Anne Damásio
Fotoart: Jaya Suberg
eu nunca vou aprender..
E já devia ter me acostumado com esse desdém disfarçado de ‘olhe
como eu me importo com você.’ Eu já devia ter compreendido que somos queridos
na medida da nossa utilidade, que milhões de vezes eu irei dar e pouco receber,
que expectativas são bichinhos estúpidos que borram sorrisos e sujam as lentes
dos óculos. Eu já devia saber que vou me contar inteira para o outro e ele só
escutará uma pequena parte, via de regra a que lhe interessar, ou aquela que
ele souber responder prontamente sobre. Eu já devia saber que nos momentos de
contar a dor, serei rispidamente interrompida com comparações que reforçam a
existência desses que não enxergam o outro porque estão preocupados demais com
o próprio umbigo. Eu já devia saber que mesmo sabendo de tudo isso eu nunca vou
aprender, e como dona da incapacidade de me render, nunca vou desistir desse
humano sem jeito que somos nós. Anne Damásio
quinta-feira, 18 de julho de 2013
Justo quando ela achava que ia ser feliz, veio a vida e lhe aplicou outra rasteira...
Fotoart: Jaya Suberg
sexta-feira, 12 de julho de 2013
Can-sa-da...
Dentro
do quarto que ocupo é bem melhor, lá dentro tudo continua cinza, mas eu não
vejo os outros...são eles os responsáveis pelo meu imenso fastio de existir, e
eu a grande responsável por não saber suportar o que não tem remédio. Hoje
descobri que eu não quero. Não quero seu interesse disfarçado de bem querença,
não quero gastar todo o meu rosário de gestos e expressões de boa educação, e
não receber sequer um muxoxo em troca. Tô cansada desse jogo sujo de falar a
exaustão dos outros mas exigir ouvidos prontos a ouvir as lamentações que se acumulam.
Tô cansada de perceber as coisas mais óbvias e ser acusada de louca e
delirante. Jogo o tapete, meu mundo cinza é feio, tem paredes rachadas, mas o
chão é limpo e dá para ver minha cara! Anne Damásio
quinta-feira, 11 de julho de 2013
Um eu em rabiscos...
Eu
sou só esse rabisco mal acabado!
Essa
certeza vacilante se instaurou com a queda no abismo sem fim e a instabilidade
que caracteriza os dias da Imensa falta...não compreendo se essa falta se
refere ao eu perdido em algum lugar da bruma que se apropriou dessa
(des)existência, ou se apenas uma falta decorrente do não reconhecimento desse
eu que habita o corpo. O que sei, com essa sensação de ser um mero rabisco, é
que me desmonto o tempo todo, e temo não conseguir me reiventar, afinal, não
seria essa a condição de existir essencialmente, a possibilidade de reinvenção?
Caminho com um claro objetivo, me encontrar, a mim ou a esses rabiscos sem fim,
que oscilam entre a leveza e a loucura, a escassez e o excesso, a dor e a beleza
de existir em paz. Anne Damásio
Imagem: Jaya suberg
sexta-feira, 5 de julho de 2013
(Re)cair em si...
Será isso que caracteriza essa doença, quando não conseguimos
ver para além dessa dor inominável, dessa inabilidade congênita de existir?
Será essa incompreensão frente a estados de espírito que não reconhecemos, como
se fundados por algum demônio apenas para impedir que a vida siga? Como se nos deparássemos
com sentimentos não catalogados em nenhuma classificação taxonômica disponível...alguns
humanos hiper-sensíveis experimentam-nos, a inexistência oficial deixa-os
atordoados, porque não se explica o que não tem nome...Tudo confuso e triste,
como barco à deriva, não no sentido de perder-se sem direção, mas de rodar
vezes sem conta no entorno de si...será isso recair? Anne Damásio
segunda-feira, 1 de julho de 2013
Talvez não enxergar seja uma boa forma de viver...
Aquela capacidade de ver demais nunca me apeteceu, até consegui
viver em períodos brancos, ausente das coisas mesmo estando dentro
delas...acredito que esse branco turvo era mais característico da minha
adolescência, o eterno limbo do não estar e não ser, nem se saber...hoje estou
enfiada nessa meia idade(trinta e muitos quase à beira do precipício dos
quarenta...sim, porque para os homens essa idade legitima toda a série de
experiências que os torna melhores, para nós, as rugas, os cremes para
amenizá-las, os novos formatos que se amoldam ao corpo...e uma certa paz para
consumo interno...Mas a maldita capacidade de ver demais, essa tende a
adensar-se com a idade, e eu vejo, vejo os jogos sujos, as manipulações, as
vilezas, as bobagens hiperbolizadas, o desdém nos gestos, a mentira deslavada,
o interesse desperto, a vontade de não fazer nada, e o pingo de bondade que
resta. Afirmar que gostaria de poder (des)ver seria mentir, mas preferia não
compreender o que constitui o humano, preferia não perceber esse lado sujo que
grita baixo para não chamar a atenção. Dessa feita, eu sigo assim a espreita de
mim, vendo você nesse enredo chinfrim de quem finge viver se regozijando com a
desventuras dos não seus! Anne Damásio
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