segunda-feira, 14 de abril de 2014

Do que a vida levou...


Venho através desta, solicitar ressarcimento referente a muitas coisas que me foram usurpadas, coisas e situações que, diga-se de passagem, não estava preparada para perder. Levaram trinta e oito anos da minha existência, tendo em vista que estando nos trinta e nove ainda não os perdi. Levaram inclusive a minha ilusão juvenil de que crescer deveria ser muito bom, fantasma que me perseguiu por toda a minha adolescência de rebelde com causas distantes, ou sem elas. Começou exatamente aí toda a série de questões existências que me obsediariam por um longo tempo – e que as vezes temo, se estenderão enquanto matéria/espectro, para além de mim...
Levaram também coisas bobas, mas que traziam uma certa tranquilidade aos dias, como a possibilidade de me empanturrar de qualquer comida hiper-calórica sem me preocupar em explodir.
Levaram a capacidade de utilizar canetas bic em cadernos de pauta, sem que a letra pareça saída de uma receita médica, tendo em vista que a não constância da escrita prejudica a legibilidade;
Levaram a beleza que era abrir uma carta, em seu lugar colocaram e-mails que não me dão o menor tesão de abri-los, o que impede a minha existência virtual;

Levaram minha crença de que nunca teria filhos, mas essa é boa, no lugar dessa crença colocaram em minha vida uma criaturinha tão do bem, que não imaginá-la como parte e parcela de mim torna inviável atravessar os dias;
Levaram minha ignorância, minha despreocupação referente as coisas do mundo, minha vontade de viver para sempre, e em seu lugar trouxeram uma preocupação excessiva com o outro, e uma vontade de partir que as vezes torna a necessidade de atravessar os dias sem me deixar esmagar por eles, inviável;
Levaram minha saúde e me jogaram uma quantidade infinda de entulhos emocionais não resolvidos, que voltam como fantasmas reivindicando morada em mim;
Levaram a coragem de ser imprudente, de atravessar madrugadas sem pensar na ressaca do dia seguinte, reduzindo minhas farras a momentos ínfimos num cotidiano absorvente;

O que mais doeu foi levarem a minha vó, eu não estava preparada para perdê-la, eu não estava preparada para não mais tê-la ao meu redor, talvez eu nunca ficasse pronta para isso, mas me dói saber que ela tinha medo de partir, me dói saber que ela era tão do bem a ponto de esquecer de si para viver o outro em toda a sua plenitude, e essa perda eu não perdôo;
Ainda não estou pronta para falar do que ganhei, fica para outro dia, antes de acabar os dias...talvez pela minha paixão dramaticamente visceral de reclamar da humanidade e da minha inscrição na mesma à revelia de mim. Anne Damásio

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