Eu
começava a entender depois de trinta e oito anos, como boa cabeça dura que sou,
que o destino não me daria nada do que pedi, que karmas, crenças, rosários e
cantorias nunca seriam suficientes para sarar isso que arde em meu peito e
arranca pedaços, como talhos feitos em madeira dessas bem duras...Toda essa
certeza angustiante se deu hoje, nessa tarde de constatações, nessa brincadeira
chata de saber que estava certa. A velha lógica paradoxal ria de mim, mostrando
que eu adorava estar certa, mas me doía saber-me assim, certa, porque essa
coisa de estar certa se voltava contra mim...e tantas certezas depois, descubro
minha imagem no espelho do supermercado, me olho e percebo que não estou
cabendo nem no sentido estético, as roupas estão apertadas onde não devem,
revelando o que tem de ser escondido na falta de dinheiro para ser extirpado. As
saias que sempre gostei parecem capas para artefatos de cozinha, não me
reconheço e me angustio, mais uma pequena futilidade a me tirar lascas na ordem
dos dias. Depois o encontro com um amigo, os cumprimentos que economizam a ida
ao ponto, e o meu relato repetitivo, que nem eu mais suporto, como se fosse mentira, como se eu
não quisesse ou pudesse mais me ouvir. Relato cortado pela pressa de viver
longe dos que quase deram certo, mais se perderam no caminho, esmagados pela
procura, pela ausência de coerência entre discurso e prática, pela incapacidade de pisar na
cabeça dos demais em nome da sua própria cabeça torta. Relato que cortado, me
mostra quem eu não quero ser, porque tenho exercitado, por mais excruciante que
seja a escuta do outro...Então descubro que essa praga ainda paira sobre mim, grito,
vejo, me odeio, surto, e descubro que talvez essa incapacidade de caber no
plano físico, seja um reflexo do fato de que não sei suportar essa horda de
humanos dobrados por sobre o próprio umbigo e ignorando a existência do outro
com uma maestria que lhes escapa nos outros terrenos do existir. Anne Damásio
Fotoart: Jaya Suberg
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