quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Cabeças, verdades e o que me envolve...

Eu começava a entender depois de trinta e oito anos, como boa cabeça dura que sou, que o destino não me daria nada do que pedi, que karmas, crenças, rosários e cantorias nunca seriam suficientes para sarar isso que arde em meu peito e arranca pedaços, como talhos feitos em madeira dessas bem duras...Toda essa certeza angustiante se deu hoje, nessa tarde de constatações, nessa brincadeira chata de saber que estava certa. A velha lógica paradoxal ria de mim, mostrando que eu adorava estar certa, mas me doía saber-me assim, certa, porque essa coisa de estar certa se voltava contra mim...e tantas certezas depois, descubro minha imagem no espelho do supermercado, me olho e percebo que não estou cabendo nem no sentido estético, as roupas estão apertadas onde não devem, revelando o que tem de ser escondido na falta de dinheiro para ser extirpado. As saias que sempre gostei parecem capas para artefatos de cozinha, não me reconheço e me angustio, mais uma pequena futilidade a me tirar lascas na ordem dos dias. Depois o encontro com um amigo, os cumprimentos que economizam a ida ao ponto, e o meu relato repetitivo, que nem eu mais  suporto, como se fosse mentira, como se eu não quisesse ou pudesse mais me ouvir. Relato cortado pela pressa de viver longe dos que quase deram certo, mais se perderam no caminho, esmagados pela procura, pela ausência de coerência entre discurso e prática, pela incapacidade de pisar na cabeça dos demais em nome da sua própria cabeça torta. Relato que cortado, me mostra quem eu não quero ser, porque tenho exercitado, por mais excruciante que seja a escuta do outro...Então descubro que essa praga ainda paira sobre mim, grito, vejo, me odeio, surto, e descubro que talvez essa incapacidade de caber no plano físico, seja um reflexo do fato de que não sei suportar essa horda de humanos dobrados por sobre o próprio umbigo e ignorando a existência do outro com uma maestria que lhes escapa nos outros terrenos do existir. Anne Damásio


Fotoart: Jaya Suberg



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