Quando eu era
adolescente gostava dos sábados - nenhum motivo concreto, creio eu, apenas a
mania nervosa que adolescentes desenvolvem de buscar coincidências num
amontoado de faltas.
Houve um tempo em que
ansiava pela chegada da sexta como suponho que ansiaria por cerveja no deserto –
considerando a saciedade que adviria do encontro com um oásis, e a libertação
óbvia da lucidez, quem precisa dela afinal?
No início da doença
todos os desarranjos orgânicos advindos da bendita, aconteciam aos domingos,
meu corpo gritava pela fuga, temia as estradas, precisava ficar longe de
humanos, eles ferem e chegam a matar. Então alguns remédios depois - no tempo
que minha terapeuta me ajudava a caminhar sem quedas frequentes – domingo era
só mais um dia, com direito a descanso.
Veio a vida em
enxurrada com direito a recaídas, mais frequentes que as de Cristo a caminho da
cruz – sem querer dar uma de herege e me comparar com qualquer ser divino,
justo eu que sou a mais mundana de todas, se elencadas as características não
aceitas socialmente estaria mais para Maria Madalena sexualmente desviante. E
com a enxurrada foi de uma vez, a terapeuta, alguns sentidos, outros
significados, algumas poucas certezas, a possibilidade de beber – considerando que
domingo pela manhã é super adequado – sem morrer com um ataque severo da esofagite,
uma certa paz que arrefecia meu desejo de outros mundos, tanto quanto me
assustava pela delicadeza com que tingia meus dias – sempre achei que ela fosse
branca – mais vejam vocês era tão colorida, um colorido desbotado, que não
choca, mas acalma, pela possibilidade de existir com todas as cores reunidas.
Alguns amigos também desceram na enxurrada, os que não entendiam que doenças da
alma demoram a passar, aqueles que cobravam de mim um jeito de sorrir que havia
perdido, outros que já estavam em processo – porque aprenderam a me ver com
olhos dos outros que lhes acompanhava. Teve também os amigos que a doença
aproximou, aqueles que não cobravam minha presença, ou uma leveza de existir
que nunca tive, que não cobravam as longas distâncias que a rotina impõe, ou
que usamos como desculpa para a fuga. Teve também aquela leva que se aproximou
quando as vacas eram gordas – no momento, de gorda só sobrou eu e as dívidas,
aprendi a rir de ambas.
Quanto aos domingos,
aprendi que nenhum dia é santo, e todos podem ser. Que a programação do domingo
– das tevês abertas, porque não sou tão cult assim, e assisto novelas e
seriados, tô viciada em império - é uma ofensa a qualquer cristão que consiga
fazer uma sinapse com dois neurônios. Que domingo bom é aquele que temos
vontade de sair da cama, como no domingo passado, quando fui visitar minha irmã
preferida – é bom se saber amada. Que minha vontade de permanecer atada a cama
e longe de mim independe do dia. Que eu queria muito significar meus dias,
minha vida, mas a essa altura do campeonato, levanto para fechar a janela e
dormir mais um pouco, dizem que ‘o sono salva, ou adia.’
Anne Damásio
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