domingo, 21 de setembro de 2014

Dos dias...


Quando eu era adolescente gostava dos sábados - nenhum motivo concreto, creio eu, apenas a mania nervosa que adolescentes desenvolvem de buscar coincidências num amontoado de faltas.
Houve um tempo em que ansiava pela chegada da sexta como suponho que ansiaria por cerveja no deserto – considerando a saciedade que adviria do encontro com um oásis, e a libertação óbvia da lucidez, quem precisa dela afinal?
No início da doença todos os desarranjos orgânicos advindos da bendita, aconteciam aos domingos, meu corpo gritava pela fuga, temia as estradas, precisava ficar longe de humanos, eles ferem e chegam a matar. Então alguns remédios depois - no tempo que minha terapeuta me ajudava a caminhar sem quedas frequentes – domingo era só mais um dia, com direito a descanso.
Veio a vida em enxurrada com direito a recaídas, mais frequentes que as de Cristo a caminho da cruz – sem querer dar uma de herege e me comparar com qualquer ser divino, justo eu que sou a mais mundana de todas, se elencadas as características não aceitas socialmente estaria mais para Maria Madalena sexualmente desviante. E com a enxurrada foi de uma vez, a terapeuta, alguns sentidos, outros significados, algumas poucas certezas, a possibilidade de beber – considerando que domingo pela manhã é super adequado – sem morrer com um ataque severo da esofagite, uma certa paz que arrefecia meu desejo de outros mundos, tanto quanto me assustava pela delicadeza com que tingia meus dias – sempre achei que ela fosse branca – mais vejam vocês era tão colorida, um colorido desbotado, que não choca, mas acalma, pela possibilidade de existir com todas as cores reunidas. Alguns amigos também desceram na enxurrada, os que não entendiam que doenças da alma demoram a passar, aqueles que cobravam de mim um jeito de sorrir que havia perdido, outros que já estavam em processo – porque aprenderam a me ver com olhos dos outros que lhes acompanhava. Teve também os amigos que a doença aproximou, aqueles que não cobravam minha presença, ou uma leveza de existir que nunca tive, que não cobravam as longas distâncias que a rotina impõe, ou que usamos como desculpa para a fuga. Teve também aquela leva que se aproximou quando as vacas eram gordas – no momento, de gorda só sobrou eu e as dívidas, aprendi a rir de ambas.

Quanto aos domingos, aprendi que nenhum dia é santo, e todos podem ser. Que a programação do domingo – das tevês abertas, porque não sou tão cult assim, e assisto novelas e seriados, tô viciada em império - é uma ofensa a qualquer cristão que consiga fazer uma sinapse com dois neurônios. Que domingo bom é aquele que temos vontade de sair da cama, como no domingo passado, quando fui visitar minha irmã preferida – é bom se saber amada. Que minha vontade de permanecer atada a cama e longe de mim independe do dia. Que eu queria muito significar meus dias, minha vida, mas a essa altura do campeonato, levanto para fechar a janela e dormir mais um pouco, dizem que ‘o sono salva, ou adia.’

Anne Damásio


Nenhum comentário:

Postar um comentário